segunda-feira, 28 de junho de 2010

ESPIRITUALIDADE E CORPOREIDADE NA UNIDADE FUNDAMENTAL DA PESSOA HUMANA

“Quando vier o Filho do homem na sua majestade e todos os anjos com ele, então se assentará no trono da sua glória; e todas as nações serão reunidas em sua presença, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa dos cabritos as ovelhas; e porá as ovelhas à sua direita, mas os cabritos à esquerda; então dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: Vinde, benditos de meu pai! Entrai na posse do reino que vos está preparado desde a fundação do mundo. Porque tive fome e me deste de comer; tive sede e me deste de beber; era forasteiro e me hospedastes; estava nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; preso e foste ver-me. Então perguntarão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer? Ou com sede e te demos de beber? E quando te vimos forasteiro e te hospedamos? Ou nu e te vestimos? E quando te vimos enfermo ou preso e te fomos visitar? O Rei respondendo, lhes dirá: Em verdade vos afirmo que sempre que o fizeste a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes. Então o Rei dirá também aos que estiverem à sua esquerda: apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos. Porque tive fome e não me deste de comer; tive sede e não me deste de beber; sendo forasteiro, não me hospedastes; estando nu não me vestistes; achando-me enfermo e preso não fostes ver-me. E lhes perguntarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome, com sede, forasteiro, nu, enfermo ou preso e não te assistimos? Então lhes responderá: Em verdade vos digo que sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer. E irão estes para o castigo eterno, porém os justos para a vida eterna”.( Mateus 25:31-46).


Antes de entrar no texto do livro: Unidade na Pluralidade – O ser humano à luz da fé e das reflexões cristãs de A. García Rubio, trago uma das questões do caráter histórico e bíblico do Espírito:

“O caráter histórico e bíblico do Espírito, refere-se à experiência de Deus que se dá através das ocorrências históricas, que tem a historia como ambiente que é percebido no tempo. Esta experiência está situada entre a recordação e a esperança. As recordações e as expectativas de Deus transformam a presença experimentada de Deus numa presença histórica.

O Espírito está presente em momentos característicos do povo de Deus nos dias atuais, como esteve no passado por meio de uma força vital chamada: “ruah yahweh” - Espírito de Deus - interpretada como furacão, uma tempestade, uma força no corpo e na alma, na humanidade e na natureza. Esta força pode ser entendida como o acontecer de Deus que penetra o mais íntimo da existência humana.

Em um segundo momento, pode-se ver a presença do espírito de Deus no meio do seu povo, conduzindo, orientando, julgando, apaziguando e consolando.

Pode-se perceber o espírito de Deus e a sua Shekiná, ou seja, a identidade do caráter do Espírito de Deus, não a sua propriedade, mas a presença do próprio Deus.

O Espírito que participa que se entristece que se alegra que mostra o anseio de Deus pela união com o povo e suspira por seu repouso na nova e perfeita Criação tornando possível por sua inabitação nas criaturas.

Por fim, o Espírito como expectativa messiânica onde a experiência de Deus é vista como Universal, total, permanente e direta.

A eterna presença de Deus, para a qual as experiências históricas de Deus apontam. “Nela as recordações e as experiências do espírito hão de ser cumpridas e deixarão de existir”.

Esta questão teve como base o texto: a “Experiência Histórica do Espírito” extraído do livro: “O Espírito da Vida: Uma Pneumatologia Integral” de Jurgen Multmann.

Vi neste ponto uma síntese da primeira parte do texto de Garcia Ruúbio onde o autor procura mostrar a que, tanto no Antigo Testamento quanto no Novo testamento, há uma coincidente apresentação do homem numa perspectiva fortemente unitária que apontam tanto para aspectos diversos do único ser humano quanto para a realidade da mesma do homem inteiro.


A visão unitária do ser humano na Sagrada Escritura

“O Antigo Testamento pressupõe uma visão fortemente unitária do homem... esta perspectiva unitária encontra fundamento na fé no único Deus criador-salvador... o ser humano concreto, no seu todo, é criatura de Deus. É a fé bíblica no Deus criador que leva a rejeitar e a superar com toda a radicalidade, as visões dualistas que estabelecem uma ruptura dicotômica entre espírito e matéria, entre alma e corpo, e desenvolve uma relação de exclusão entre ambos... não existem dois princípios criadores (o princípio bom, que estaria na origem da realidade espiritual, e princípio mal, origem da realidade material), mas a ação criadora amorosa do Deus que também é salvador”.

“O Novo Testamento reconhece a existência do dualismo no interior de cada ser humano, entre a realidade do ‘homem velho’ e a realidade do ‘homem novo’, mas não se trata de um dualismo metafísico que aponta para dois elementos constitutivos do ser humano (espírito-matéria), antes está referido a dois modos de existência antitéticos, em cada um dos quais está implantado o ser humano inteiro”.

Esta visão unitária do ser humano na Sagrada Escritura é que remota para o texto bíblico citado no início desta explanação. Onde “a tentação idealista que leva a proclamar a dignidade da pessoa humana, sem prestar maior atenção às situações concretas que impedem o crescimento do ser humano como pessoa, penetrou também em ambientes cristãos. Uma antropologia que definia unilateralmente o ser humano como ‘espírito’, considerando o ‘corpo’ como algo exterior à pessoa humana, como um mero instrumento utilizado pela pessoa, possibilitou esta deformação da visão cristã do ser humano. Ora, se o corpo não é constitutivo da pessoa humana, não há porque por que dar muita importância (quando se trata dos outros, naturalmente!) às condições materiais miseráveis em que esta se encontra com tanta freqüência...”

É claro que é desejo de Deus que o Homem seja um só com Ele e, assim, esta unidade se torne abrangente aos que o cercam.

Em Atos dos apóstolos 20:28, Paulo fala aos presbíteros da Igreja de Éfeso:

“Atendei por vós e por todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para pastoreardes a igreja de Deus, a qual ele comprou com o seu próprio sangue”.

Mas como colocar esta unidade em prática quando todo o sistema, inclusive e infelizmente, o eclesial, leva para um individualismo, uma separação que consiste em cuidar do meu primeiro e se sobrar tempo, vejo o outro?

Vimos que desde o princípio, Deus se mostra um só com o seu povo desde a criação, passando por toda a História deste povo escolhido e culminando em Jesus Cristo, exemplo maior de Unidade com o Pai.

Na Pneumatologia Integral aprendemos que, Deus cria o homem para uma vida criativa e que uma teologia meramente espiritual gera uma vida espiritual religiosa limitada. Não é possível existir uma teologia da espiritualidade que se choque com a Teologia da criação. Um Deus que cria por amor, não pode deixar de amar.

Isto leva ao homem a pensar em um desenvolvimento da sua unidade com Deus e com os outros. O que na é fácil.


Penetração do dualismo antropológico na reflexão teológica cristã.


O Helenismo foi marcado pelo rompimento de fronteiras entre os países e culturas. Quanto à religião houve uma espécie de sincretismo; na ciência, a mistura de diferentes experiências culturais; e a filosofia dos pré-socráticos e de Sócrates, Platão e Aristóteles serviu como fonte de inspiração para diferentes correntes filosóficas das quais o Neoplatonismo exerceu forte influência sobre a teologia cristã. Ele via o mundo com algo dividido entre dois pólos: numa extremidade estava a luz Divina ou Deus. Na outra reinava as trevas absolutas. A seu ver a luz Divina iluminava a alma, ao passo que a matéria eram as trevas.

“Em contraste com a visão helênica de ser humano com sua orientação marcadamente dualista, o cristãos do séc.I, num nível existencial e pré – filosófico, possuíam uma visão unitária de homem, perspectiva herdada do antigo Israel, sobretudo da fé no único Deus criador e salvador, mas enriquecida pela revelação, mediante Jesus Cristo, do que significa ser humano. Que acontece com esta visão de ser humano, quando o universalismo da missão evangelizadora leva a igreja a expressar-se no mundo cultural helênico”?

“A Igreja, embora tivesse de enfrentar não poucos desvios e erros, soube empregar elementos da filosofia grega a serviço da tematização mais rigorosa da fé cristã. A utilização do instrumental grego, contudo, fez com que uma certa infiltração do dualismo penetrasse na visão de homem e de mundo própria dos cristãos”.

“A orientação que procurava salientar os pontos de coincidência entre fé cristã e cultura helênica, especialmente o pensamento filosófico, mantendo uma atitude de abertura e de diálogo e utilizando decididamente o instrumental grego, foi mais influenciada pela antropologia dualista, sobretudo neoplatônica. A outra tendência que ressaltava preferentemente os pontos de divergência e mantinha uma atitude, se não fechada (isto seria incompatível com o dinamismo missionário cristão), bastante reservada em relação ao mundo cultural grego-romano, ficou mais apegada às afirmações bíblicas sobre a unidade básica do ser humano e recebeu uma influência dualista bem menos acentuada que a primeira”.

“As posições antropológicas dos cristãos foram ficando mais bem esclarecidas, em face do grave desafio representado pelo gnosticismo”.

“O movimento gnóstico é bem anterior ao cristianismo e as suas características básicas consistem na preexistência da alma, a sua queda e o correspondente castigo de viver num corpo, o desprezo pela corporeidade, a salvação obtida mediante o conhecimento da origem e do caráter celeste próprio do homem (por causa da sua alma) e mediante o seguimento fiel do caminho indicado pelo ‘revelador”.

“A salvação para o gnóstico só pode constituir na libertação da alma da situação de degradação em que se encontra, condenada que está a viver sujeita à matéria”. “A salvação mediante a encarnação real de Deus e mediante a ressurreição corporal não passa para o gnóstico de um colossal disparate”.

“O gnosticismo penetrou fortemente em ambientes cultos greco-romanos e também em certos círculos cristãos. A sua grande capacidade de adaptação explica por que os cristãos nem sempre perceberam o perigo que ele representava para a fé cristã”.

“A visão cristã de homem introduz no mundo cultural grego um elemento estranho. O cristão deve manter-se sempre fiel a este elemento, mesmo em oposição ao prestigioso pensamento helênico. Outros, pertencentes sobre tudo à Escola de Alexandria, aceitam o dualismo antropológico como meio de expressão, mas migrando-o de tal maneira que a intencionalidade básica cristã fica respeitada. A utilização de um dualismo moderado de orientação neoplatônica é vista como instrumento de luta contra as teses dualistas radicais da gnose”.

Nesta luta, os padres apologistas passam a usar de maneira cada vez mais decidida o instrumental lógico dos gregos. “No horizonte da racionalidade grega, pretendem provar aos apologistas que a verdadeira racionalidade se encontra no cristianismo e refutam, assim, as acusações de que este era objeto”.

“No que se refere à antropologia, os apologistas mantém fidelidade à visão cristã unitária de homem, se bem que o instrumental utilizado acarrete já um início de penetração do dualismo”.
No séc. II destaca-se a figura de Santo Irineu, que vai contra todas as tendências dualistas gnósticas e defende a visão unitária do homem fundamentado na fé no único Deus criador-salvador. Este não se define somente pela alma, sozinha:

“O homem completo é a conjunção ou união da alma que assume o Espírito do Pai reunida à carne que tem sido modelada segundo a imagem de Deus”.

“O homem é imagem de Deus não só na alma, mas também no corpo que recebe, assim, uma valorização positiva”.

“O homem como união da alma e do corpo é imagem de Deus, enquanto que o homem ‘espiritual’ (no sentido Paulino) é fruto do dom de Deus mediante Jesus Cristo. Em ambos trata-se sempre do homem integralmente considerado”.

Em Santo Tomás é que teremos a superação do dualismo impregnado até então.

“Precisamente o que Santo Tomás mostrará é que uma substância não pode ser forma. No homem não existem duas formas, antes a alma é a ‘única forma do corpo’, de tal maneira que a realidade do homem é composta de alma (como forma) e de matéria-prima. Não existe, pois, uma união acidental entre alma e corpo, tal com aparece em todas as correntes dualistas”.

“Corpo e alma são, antes, dois princípios metafísicos dentro de uma unidade primordial do homem, de maneira que toda a atividade do homem é ‘operatio totius hominis”.

Sob o aspecto crítico, a penetração do dualismo na antropologia da Cristandade, faz nos ver que as Escrituras não se importam com a salvação do homem constituído em partes, mas sim, ele como um todo. A antropologia bíblica vê o homem de forma integral, corpo/alma.

“O homem pertence ao mundo material, mas não se reduz à matéria. O homem pertence ao mundo espiritual, mas não se reduz à sua espiritualidade. O homem é espírito e matéria. Mas esta dualidade não deve tornar-se dualismo, isto é, espírito e matéria não devem ser colocados numa tensão de mútua oposição-exclusão”.

Esta deve ser uma das questões de maior atenção a ser dada pelo magistério eclesial.

“O homem inteiro é criado por um Deus bom e o homem inteiro participa da salvação e da glorificação. A salvação cristã não permite a ruptura oposição alma e corpo que os dualistas radicais propugnam”.


Complexidade do ser humano: corpo e alma ou dualidade na unidade da pessoa.

“A pessoa é o ser humano concreto que se autocompreende como uma unidade, como centro de unidade, antes de qualquer cisão dicotômica. Trata-se de uma unidade vivida na dualidade de aspectos e dimensões básicas, pois se é certo que a pessoa autopercebe-se corpórea é igualmente verdade que não se identifica com o seu corpo. A pessoa também autopercebe-se como sujeito irredutível ao próprio corpo. A tradição ocidental designa esta dimensão com o nome de ‘alma espiritual”.

“A pessoa humana é simultaneamente corpórea e espiritual. Mas percebe esta dualidade numa unidade fundamental..., a pessoa experimenta como próprias tanto umas quanto outras, numa profunda unidade entre ambas, de tal maneira que existe uma intima interdependência entre ela com profunda influência mútua. O ser humano autopercebe-se, como anterioridade a toda reflexão filosófica, como um ser vivo único”. Um organismo vivo. Um sistema, uma estrutura, uma forma que subsiste, embora se renove cada um dos elementos que a integram. O organismo vivo permanece o mesmo, apesar das modificações dos seus elementos materiais.

“Existe em todo o ser vivo uma ‘realidade estrutural que não é um elemento material, mas integra uma multiplicidade material, e que permanece imutável durante a vida toda do organismo”.

“Outra característica do ser vivo é o seu admirável sistema de auto-regulação, ou seja, a capacidade de ‘dirigir por ele mesmo os milhares e dezenas de milhares de reações físico-químicas que se efetuam a cada instante do seu desenvolvimento”.

Desta forma chega-se a conclusão de que o homem não pode ser comparado a uma maquina ou considerado como tal.

“A pessoa humana é corpórea e, assim, o corpo humano não deve ser considerado um mero instrumento da alma, como queria o platonismo; também não é pura exterioridade, como afirmava o dualismo cartesiano. A corporeidade é uma dimensão da pessoa humana, do ‘eu’ humano... é a pessoa humana quem experimenta como próprios a dor ou o prazer bem como a outras atividades do corpo. ‘A corporeidade é tão própria do homem quanto a sua espiritualidade. O homem é sempre um espírito com corpo; um espírito sozinho, descorporificado, não pode ser um homem”. “O ser humano não tem corpo (não é um objeto que possa ser possuído), mas é corpo (dimensão básica da pessoa humana)”.

“É pelo corpo que a pessoa humana se expressa, se faz presente e se comunica aos outros seres humanos; é pelo corpo igualmente que a pessoa humana intervém no mundo das coisas transformando-o e criando cultura”.

“No que diz respeito à reflexão antropológica sobre alma e corpo, para além das recentes discussões sobre a conveniência hoje de continuar utilizando esta terminologia, convém notar bem que ela nos situa no coração da complexidade do ser humano e nos alerta, ao mesmo tempo, contra todas as simplificações que acabam sempre empobrecendo a riqueza própria da pessoa humana”.

Quanto à superação do dualismo antropológico na Igreja latino-americana permanece a preocupação citada no começo por parte do magistério eclesial. Uma vigilância, especialmente dos pastores, para que a integridade da mensagem de salvação seja sempre anunciada bem como os “imperativos da verdadeira libertação humana, no quadro desta mensagem integral”.

Conclusão:

Diante desta explanação, chego à conclusão de que o homem é o alvo principal de Deus e objetivo deste, para que o mesmo se chegue a Ele, sem dúvidas ou paralelismos que o impeçam de ver n’Ele, Deus, o Senhor, Salvador e Criador de sua vida espiritual.

Na Pneumatologia integral, a santificação se dá pela busca na Escritura por uma base para construir seus conceitos e fazer Teológico e cabe ao homem buscar superar os diferentes estágios de desenvolvimento tanto na sua vida secular quanto na sua vida espiritual.

Todo o homem enquanto não é alcançado por Cristo, é inimigo do mundo, por não ter a capacidade de amar. A nova vida em Cristo é a radicalidade do compromisso com o outro. Isto é amor.