sábado, 20 de março de 2010

Os Hebreus

A Epístola aos Hebreus




INTRODUÇÃO

Apesar de que poucos escritos do Novo Testamento sejam mais impressivos em sua eloqüência, beleza e força de expressão, nenhum livro apresenta maior numero de problemas sem solução do que esta epístola aos Hebreus. Até o seu próprio titulo tem sido criticado, portanto não se trata de uma epístola e, sim, de um excelente trabalho dirigido aos crentes em todas as regiões e, não apenas a algum isolado grupo de hebreus convertidos ao cristianismo. É chamada de epístola, e realmente o é, mas de tipo todo peculiar. De fato, começa como um tratado, prossegue como um sermão e termina como uma epístola. Seu valor se baseia, essencialmente, no quadro ousado que apresenta a respeito de Cristo.
Cristo é o Filho de Deus, superior aos profetas, verdadeira deidade, criador, objeto de exaltação por todo o universo, superior aos anjos. Cristo é o grande Sumo Sacerdote que transcende a todos os sacerdotes. O tema central deste tratado é o sacerdote de Cristo.
Cristo é o Sumo Sacerdote que trouxe à fruição tudo quanto era meramente prefigurado nas formas anteriores de adoração. Essas formas anteriores eram sujeitas a modificações, e, de fato, sofreram mudanças; mas, por detrás delas, há uma realidade imutável, encontrada na pessoa de Cristo – tal como diz a explicação platônica do mundo: por detrás de todas as formas visíveis e temporárias da existência, há um mundo invisível, mas bem real, imutável e perfeito, que age como modelo da criação e que, ao mesmo tempo é o alvo de tudo aquilo na direção do que tudo se esforça, a fim de que suas perfeições e sua eternidade sejam compartilhadas. Na revelação cristã, esse mundo eterno é exposto perante os homens mais claramente do que jamais o foi no passado. Nessa revelação se vê que, na pessoa de Cristo, são exibidas as grandes verdades e realidades religiosas. Esta epístola, pois, consiste essencialmente na revelação da elevada dignidade e do imenso valor de Cristo, e, como tal, assume lugar ao lado do evangelho de João, e das epístolas aos Colossenses e aos Efésios, como as mais claras revelações sobre o Filho de Deus e sobre o que isso significa para os homens, que há entre nós.
Essa elevada revelação do Filho eterno de Deus, tão eloqüentemente retratada, tem mais do que mera motivação dogmática: o autor sagrado interessa-se por certos cristãos que, sob influencia de conceitos religiosos legalistas e pagãos, hesitavam em sua fé, correndo o perigo de abandonar o grande avanço na inquirição espiritual que é apresentada na revelação cristã. Essa é a razão pela qual Cristo é retratado em termos tão vividos e absolutos. Se alguém abandona a Cristo, não haverá mais lugar para onde se possa ir, porquanto a verdade de Deus está centralizada nele. Ele é o alvo final e absoluto de toda a existência. Outras religiões têm tido o seu valor, mas podem ser reputadas apenas cópias e imitações, algumas mais desejadas e outras mais perfeitas, daquilo que Deus finalmente, trouxe aos homens na pessoa de Cristo.


1) O autor

A Epístola não menciona nome e inicia sem qualquer endereçamento. O autor deve estar ligado à tradição da Igreja romana. Já a igreja antiga tentava adivinhar o nome do autor. Desde o século II, a igreja ocidental considerava Paulo o autor da mesma. No entanto, já os sábios alexandrinos Clemente e Orígenes perceberam que o próprio estilo da Epístola depunha contra a autoria de Paulo. Eles desenvolveram a hipótese do secretário. Clemente supunha que Paulo tivesse escrito a epístola em língua hebraica para hebreus e que Lucas tivesse traduzido para o grego.
Orígenes não quis fechar a questão, e opinou: “Só Deus sabe quem é o autor dessa epístola”. E essa opinião persiste até os dias de hoje.

2) Os destinatários

Aparentemente este é mais um mistério da carta, pois tudo o que sabemos para identificar os destinatários é o título que possivelmente deu-se pelo teor da carta. O título ligado a está carta no manuscrito mais antigo que existente é “Aos Hebreus”, e pelo que nos relata Guthrie, não há manuscrito da carta que não tenha esse título. O próprio Guthrie afirma na sua introdução que nos tempos de Clemente de Alexandria e de Tertuliano a epístola era conhecida por esse nome. Algumas hipóteses interessantes com relação aos destinatários originais da carta foram levantadas, baseados no teor da carta, Guthrie, por exemplo, expõe alguns indícios para a identificação dos mesmos:

(...) Certamente o autor sabe algo a cerca da historia e situação. (dos destinatários específicos.). Sabe que foram abusados pela sua fé e que reagiram bem ao despojamento das suas propriedades (10.33, 34). Tem consciência da generosidade dos seus leitores (6.10) e conhece o estado de mente atual deles (5.11ss.; 6.9ss). Certos problemas práticos tais como sua atitude para com seus líderes (13.17) e questões de dinheiro e de casamento (13.4,5) são mencionados. Se este for a verdade o título é claramente enganoso. (O título como endereçado a toda a comunidade hebraica, mas deporia a favor de um grupo mais específico, de conhecimento intimo do autor.) (...) Outra indicação da natureza do grupo pode ser deduzida de referencias tais como 5.12 e 10.25. A primeira é dirigida àqueles que nesta altura já deviam ser mestres, e isto deu origem à sugestão de que os leitores eram uma parte pequena de um grupo maior de cristãos. A sugestão mais favorável é que formavam um grupo numa casa que se separara da igreja principal. A exortação em 10.25 apoiaria esta opinião. Ali, o escritor conclama os leitores a não deixarem de congregar-se juntos. Parece razoavelmente conclusivo que a totalidade de um igreja não teria sido considerada mestres em potencial, e é altamente provável que um grupo separatista pudesse ter se considerado superior aos demais, especialmente se foram dotados com dons maiores. O tema que nesta Epístola é argumentado de modo compacto está de acordo com a sugestão de que um grupo de pessoas com um maior calibre intelectual está em mente. (...)

Laubach, também afirma que a exortação constante em Hb 5.11 – 14 sugira a suposição de que a carta talvez seja dirigida apenas a um determinado grupo de fiéis específicos de uma comunidade, do qual estariam excluídos os irmãos dirigentes, os líderes da comunidade.Porém a opinião mais comum, principalmente entre os comentaristas mais antigos é de que a localização dos destinatários estaria entre os judaico-cristãos da Palestina ou de Roma, ou outras cidades em que houvesse judeus-cristãos de formação helenista, p. ex. , em Éfeso, Tessalônica, Alexandria. Também é levantada a hipótese de que os receptores da carta seriam judeus – cristãos de origem sacerdotal.
Por ultimo podemos citar a hipótese de que os destinatários seriam membros antigos da comunidade dos essênios em Cunrã que se converteram ao cristianismo, este ponto é citado tanto por Guthrie como de passagem por Dattler, mas como esta hipótese não é melhor desenvolvida por nenhum dos autores concluímos que é pouco sustentável.
Constatamos então que assim como a autoria é desconhecida, o destinatário também não é por completo de identificação clara. Apesar das conjecturas não terminarem aqui, Guthrie mesmo levanta a questão da possibilidade dos leitores originais serem gentios, cremos que há uma sustentação um pouco maior por serem judeu-cristãos de uma comunidade específica, porém de localização vaga.

3) Data e local da redação

A exemplo das epistola paulinas, a Epistola aos Hebreus é citada literalmente como documento respeitado, na primeira Epistola de Clemente, datada do ano 96, embora sem referência expressa. Conclui-se, pos, que deve ter sido redigida algum tempo antes do ano 96. Por outro lado, autor e destinatários pertencem à segunda geração (Hb 2,3). Isso sugeriria a data de redação após o ano 70.
Sobre o local da redação A Bíblia de Jerusalém afirma que baseado no Cap. 13, 24, pode-se supor que foi enviada da Itália, e que tenha sido escrita antes da queda de Jerusalém.

4) Canonicidade

Desde os tempos dos Padres Apostólicos foi reconhecida unânimemente a autenticidade paulina com caráter escrito divinamente inspirado (canonicidade) da Epístola aos Hebreus. Por exemplo, S. Clemente Romano, 4º Papa, no l séc., conhece perfeitamente a Epístola aos Hebreus: na sua Epístola aos Coríntios cita-a 12 vezes e sempre como escritura inspirada. O autor da II Epístola aos Coríntios conhece-a profundamente e a cita livremente. Aludem-se a ela a Epistola dita de Barnabé e o Pastor de Hermas.

Em algumas regiões do Ocidente, principalmente na África, por causa dos abusos que desta Epístola alguns hereges (montanistas, novacianos e donatistas), tentando apoiar nela a sua tese de irremissibilidade de certas faltas cometidas depois do batismo, nasceram no meado do ll século hesitações e dúvidas que duraram até à metade do lV séc. Superadas estas preocupações dogmáticas, desde o séc. V foi unânime e constante o ensino da Igreja universal, culminado com a decisão do Concílio Tridentino que na definição do Cânon dos livros inspirados enumera 14 epístolas paulinas, inclusive Ad Hebreos (D. 784). A canonicidade da Epístola aos Hebreus é, portanto, uma verdade de fé.

5) Motivo e propósito

A condição espiritual se reveste dos receptores da epistola tem muito maior significação que sua localização geográfica. O escritor claramente contrasta o estado em que seus leitores se encontram com o estado em que estavam anteriormente, com o em que deveriam estar, e com o estado em que pareciam estar no perigo de cair. Ainda que crentes eram indolentes (Hb 5.11-6.12) e desanimados (Hb 12.3-12). Haviam perdido seu entusiasmo inicial pela fé (Hb 3.6,14; Hb 4.14; Hb 10.23,35). Haviam deixado de crescer, ou melhor, de progredir, e sofriam de séria deficiência no que tange à compreensão e ao discernimento espirituais (Hb 5.12-14). Estavam deixando de freqüentar as reuniões cristãs (Hb 10.25) e de ser ativamente leais a seus líderes cristãos (Hb 13.17). Necessitavam ser novamente exortados a imitar a fé daqueles que os tinham precedido na viagem para a glória (Hb 13.7). Tendiam para ser facilmente levados ao redor por ensinos novos e estranhos (Hb 13.9). Corriam o perigo de não estarem à altura das promessas de Deus (Hb 4.1), desviando-se daquilo que tinham ouvido (Hb 2.1). Estavam mesmo no perigo de abandonar completamente a fé, numa deliberada e persistente apostasia (Hb 3.12; Hb 10.26); e esse perigo tornar-se-ia mais grave se deixassem de freiar qualquer dentre seu número que estivesse se movendo nessa direção (Hb 3.13; Hb 12.15). Caso cederem a tal tentação e vierem a rejeitar realmente o Evangelho de Cristo, não poderão esperar senão o julgamento (Hb 10.26-31).
Particularmente na qualidade de quem anteriormente haviam sido zelosos aderentes do judaísmo, parece muito provável que os leitores originais da epístola tinham ficado pessoalmente desapontados com o Cristianismo porque, por um lado, ele não lhes tinha proporcionado qualquer reino visível terreno e, por outro lado, o Cristianismo havia sido decisivamente rejeitado pela grande maioria dos seus irmãos de raça, os judeus. Além disso, o continuo apego ao Evangelho parecia apenas envolvê-los na participação das repreensões injuriosas de um Messias sofredor e crucificado, e no ter de enfrentar a possibilidade de violenta perseguição anti-cristã. É bem possível, portanto que se sentissem seriamente tentados a renegar a Jesus como o Messias e tornar a abraçar os bens visíveis e preferíveis, que o judaísmo parecia continuar a oferecer-lhes.
Guthrie acrescenta que o cristianismo não poderia oferecer paralelo com relação à pompa ritual que eles haviam conhecido como costume. Ao contrário do Templo, que todos os judeus respeitavam como o centro do culto, os cristãos reuniam-se em lares diferentes sem sequer terem um lugar central para suas reuniões. Não tinham nem altar, nem sacerdotes, nem sacrifícios. O judaísmo dispunha de um reconhecimento não só das autoridades como do povo em geral. Todas estas questões poderiam levar o convertido a querer rever suas posições.
Que era o judaísmo que assim os atraía, em detrimento do Cristianismo, parece confirmado pelo modo óbvio com que o escritor resolve, desde o início da epístola, demonstrar a superioridade do novo pacto sobre o antigo, exibindo particularmente a proeminente excelência de Jesus, o Filho de Deus, em comparação com os profetas e os anjos, os líderes e os sumos sacerdotes que operavam na antiga dispensação. Portanto, o escritor mostra que se a antiga ordem era imperfeita e provisória, o Cristianismo trouxe perfeição (Hb 7.19), e perfeição que é eterna (Hb 5.9; Hb 9.12,15; Hb 13.20). Tanto o autor como seus leitores originais aparentemente eram judeus helenistas que tinham alguma familiaridade com o pensamento filosófico dos gregos, e parece que o autor lança mão de idéias baseadas em tais origens ao declarar que a antiga ordem continha meramente "figura do verdadeiro" (Hb 9.24) ou então apenas a "sombra dos bens vindouros, não a imagem real das cousas" (Hb 10.1). Por outro lado, o Cristianismo é a própria verdade, a celestial e ideal realidade, que possui real e absolutamente todos aqueles valores inerentes que naquela ordem antiga, quando muito, podem apenas serem refletidos ou prefigurados. Não obstante, visto que seus leitores reconheciam a autoridade divina das Escrituras do Antigo Testamento, seu argumento final em favor do reconhecimento da superioridade de Cristo sobre os anjos e sobre o sacerdócio levítico, e a favor da superioridade de Seu sacrifício de Si mesmo-sobre os sacrifícios de touros e bodes, é o testemunho profético do próprio Antigo Testamento. Ver Hb 1.5-13; Hb 7.15-22; Hb 10.5-10.

O propósito do escritor, por conseguinte, era tornar seus leitores plenamente cônscios, primeiramente, da admirável revelação e salvação dada por Deus aos homens, na pessoa de Cristo; em segundo lugar, deixá-los plenamente cônscios do verdadeiro caráter celestial e eterno das bênçãos assim livremente oferecidas e apropriadas pela fé; e em terceiro lugar, para dar-lhes plena consciência do lugar de sofrimento e paciente persistência (mediante a fé) no presente caminho terreno até o alvo do propósito de Deus, conforme demonstrado na experiência e na obra do Capitão de nossa salvação e na disciplina de Deus aplicada a todos os Seus filhos. Em quarto lugar, ainda, para proporcionar-lhes consciência do terrível julgamento que certamente sobrevirá a qualquer que, conhecendo tudo isso, rejeitar tal revelação em Cristo. Tendo-se esforçado para torná-los cônscios de tudo isso, o propósito complementar do escritor é impeli-los a agir de conformidade com esse conhecimento. Tais propósitos são apresentados através da epístola inteira mediante o emprego de exposição racional, exortação desafiadora e solene advertência.
O texto da Carta, conforme vimos anteriormente, tinha a clara intenção de demonstrar que apesar de tudo que o culto judaico poderia oferecer, o cristianismo era de sobremaneira melhor, e caberia aos irmãos caminharem na fé.


6) O método exegético

O autor segue, a princípio, as formas de pensar de seu mundo. Essas formas de pensamento se nos deparam mais estranhas justamente quando o autor deriva e fundamenta explicações exegeticamente. Isso ocorre em 2,6-9, onde é interpretado o Sl 8, e em 3,3ss que é uma exegese de Nm 12,7. E 3,7-4,11 é uma explicação de Sl 95,7-11 nos moldes do midraxe. Especialmente estranha é a exegese da perícope que fala de Melquisedeque (Gn 14,17-20) nos versículos 7,1-10. A exemplo de Filão arranca do nome “Melquisedeque” um significado etimológico misterioso (7,2), e do silencio da Escritura sobre origem, nascimento e morte de Melquisedeque postula-se sua eternidade (7,3). A relação entre a palavra Escrita e da verdade atual é estabelecida, nos exemplos citados, pelos mesmos métodos exegéticos usados no mundo dos judeus e helenista, pelo menos formalmente.
Seu conteúdo, porem, sempre confere um caráter diferente a esse método exegético. Pois no caso a Escritura é relacionada, por princípio, à ação de Deus em Jesus! Se, porém, essa ação de Deus em Jesus é de fato o objetivo do AT, essa exegese adquire relevância apesar das formas de pensamento condicionadas a seu mundo. Examinemos, em primeiro lugar, associações diretas de palavras do AT com Cristo e sua Igreja!
Hebreus não cita o AT com profecias. Por essa razão também não estabelece a relação entre palavra do AT e Cristo conforme o esquema “profecia” – “cumprimento”. Em hebreus, Deus fala a Cristo ou à Igreja diretamente através de palavras veterotestamentárias. Tomemos por exemplo 4,5-7, o trecho-chave para o sacerdócio de Cristo; a palavra do Sl 110,4 é entendida diretamente como palavra de nomeação de Deus a Jesus: “Cristo não se glorificou a si mesmo para se tornar sumo sacerdote, mas aquele que lhe disse: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque” (foi quem lhe deu essa honra). Não obstante, essas associações de forma alguma são arbitrárias. Constata-se que o procedimento do autor pode ser resumido em determinadas regras também e justamente por intermédio dos critérios de um enfoque histórico.

  •  6.1 - São aplicadas a Cristo palavras do AT sobre o rei de Israel: Sl 2 em 1,5; Sl 110 em 1,3.13; 5,6; 7,15.17.21; 10,13; 12,2; e ainda Sl 45 em 1,8 e 2 Sm 7,14 em 1.5.

  •  6.2 – As referências dos salmos ao caminho do justo são aplicadas a Jesus, o que certamente constitui uma tradição exegética da igreja primitiva que remonta a Jesus (§ 18, VII, 3): Sl 22 em 2,12; Sl 8 em 2.6ss; Sl 40 em 10,5-15.

  •  Palavras referentes a profecias do AT sobre o Kyrios = Jahvé são associadas a Jesus: 1,6 (=Dt 32,42) e 1,10-12 (=Sl 110).

  • Em analogia, uma palavra dirigida a Israel é aplicada diretamente à Igreja (3.7-11). Ao ordenarmos e verificarmos dessa maneira a exegese pneumática de Hebreus, estamos aplicando um enfoque que a própria epístola desenvolve: a assim chamada interpretação tipológica do AT.

7) A teologia

Embora, ainda hoje, não se tenha a confirmação de quem seja o autor desta carta, é muito importante que nós, como cristãos, nos esforcemos por entender a sua mensagem. Que nos induz a compreender a divindade e sua revelação que inspira nossos corações.
Heinrich Julius Holtzmann, com tendência unilateral e provocadora, vai dizer: “Toda a filosofia da Epístola aos Hebreus se movimenta dentro do esquema alexandrino do antagonismo metafísico de idéia e fenômeno, eterno e finito, celeste e cósmico, protótipo e cópia”. Ele tinha em mente o fato de, segundo a Epístola aos Hebreus, o serviço sumo-sacerdotal em Cristo se realiza num santuário celeste como o dos sumos sacerdotes levitas se realizava num santuário terreno (8.5; 9.1-11.23). Mas será que Epístola aos Hebreus de fato pensa em primeiro lugar nesse dualismo cósmico-helenista vertical, ou estaria pensando na horizontal histórico-salvífica, a exemplo de Jesus e Paulo? Para a cristologia isto significa o seguinte: É Jesus o fenômeno de uma idéia eterna, ou aquele que vem consumar a História? E para a soteriologia: É a salvação do homem o arrebatamento da alma para a pátria superior, ou a participação do êxodo do novo povo de Deus?

A resposta a essa pergunta pelo método básico que serve de ponto de partida a Hebreus, é assinalada por sua compreensão das Escrituras e exploração dela. Em sua exegese, de fato, a vertical aparece duas vezes. Em 12.22 e 13.14 fala da Jerusalém celestial. Filão lembra que, a exemplo do dualismo platônico-gnóstico, sempre justapõe ao mundo de categoria inferior o mundo celeste ideal. Também Hebreus não toma apenas o santuário descrito em Êx. 25.40 por mera figura. Para ele constitui-se em símbolo de uma realidade. Ao dizer: “Pois Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura apenas do verdadeiro, mas no próprio céu, para agora comparecer perante Deus por nós” (9.24). Hebreus qualifica este santuário celestial e o serviço sacerdotal celeste com a terminologia dualista. A exemplo de João, o termo alethinos (verdadeiro) caracteriza o verdadeiro em contraposição ao não verdadeiro, dentro do pensamento dualista. No entanto há que se notar que tanto em João como em Hebreus o verdadeiro não é qualificado de cósmico, mas mediante a relação imediata com Deus. São elementos dualistas da filosofia helenista e gnóstica primitiva que Hebreus recorre, mas que lhe servem apenas de meios para expressar a supremacia escatológica de Cristo. Ao contrário disso, é a horizontal histórico-salvífica a base de seu pensamento teológico que se expressa na exploração tipológica da Escrituras, que é o caso bem mais freqüente.
Qual é a intenção dessa interpretação da Escritura que não tem paralelo comparável em todo o NT nem quanto à intensidade nem quanto à perfeição formal? Muitas vezes se lhe atribuíram intenções apologéticas ou polêmicas: o autor se teria proposto a apresentar uma prova bíblica para sua cristologia a partir do AT que para os leitores constituía uma autoridade, e, ao mesmo tempo, reivindicar polemicamente para os cristãos esse mesmo AT. No entanto, em parte alguma se observam argumentos polêmicos ou apologéticos, tais como em Mateus ou nas desavenças de Paulo com judaístas e judeus.
Constata-se nessa epístola que através de uma exegese tipológica do AT intenciona-se interpretar de forma compromissiva a situação atual da igreja e a aparição de Cristo. No caso, a tipologia não é de forma alguma apenas uma maneira de pensar aplicada secundariamente, com intenção de anexar ao AT uma imagem de Cristo construída através de especulação. A tipologia é, pelo contrário, o método produtivo específico da igreja primitiva para a exegese das Escrituras. Seu conceito de Cristo como sendo o Sumo Sacerdote, a epístola aos Hebreus decerto não o desenvolveu espontaneamente apenas do AT. Ela recorreu à tradição. No entanto, os detalhes desse conceito ela os obteve em grande parte através do estudo próprio das escrituras.

8) Conclusão

Como afirmamos na apresentação, apesar de todos os mistérios que rodeiam a carta aos Hebreus, podemos constatar que o autor independente de quem seja foi inspirado, todo o texto de Hebreus nos mostra e afirma a superioridade de Cristo a qualquer outra forma de buscarmos a Deus. O texto flui e somos arrastados pela coerência do autor aos pés de Jesus, onde pela perspectiva da carta podemos vislumbrar a grandiosidade de Cristo e de seu sacrifício na cruz.
Indubitavelmente a falta de certezas com relação ao autor, destinatários, locais, caem por terra após uma análise mais detalhada, pois fica claro que o autor é o Espírito Santo, os destinatários são todos os cristãos que possam estar abatidos ou desanimados, a época em que foi escrita é todo o momento em que é lida e inflama nosso coração coma a alegria da promessa de estarmos nos braços do Pai.




Bibliografia



  •  O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo – R.N. Champlin – E. Candeia.
  •  Teologia do Novo Testamento – Leonhard Goppelt; tradução de Martin Drehe e Ilson Kayser. 3ª ed. SP: Ed. Teológica, 2003
  • Carta aos Hebreus – Roberto Rohregger.

  • O Cristianismo em sua origem histórica e Divina – Pe. Pedro Cerruti S.J – Universidade Católica – 1963



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